são paulo

O lado direito do avesso (in Portuguese)

É possível conhecer, ou querer conhecer, outros lugares por meio da cultura, da música, da história, da literatura. Podemos estudar 300-115 pdf mapas, sistemas políticos e econômicos ou acompanhar os feeds de notícia. Nada disso, contudo, substitui a experiência direta, corpo-a-corpo, com um novo território. É preciso estar. O artista italiano Marco Maria Zanin apaixonou-se pela ideia de São Paulo ao escutar Sampa, espécie de hino torto da cidade, mas foi apenas vivendo aqui que efetivamente conseguiu alcançar e ser atingido pela metrópole – a carne de concreto e gente cantada por Caetano Veloso. Por ocasião de uma residência artística no centro histórico, planejava realizar seu trabalho pelas ruas, encarando, frente a frente, a deselegância, para nós discreta, das esquinas, meninas e florestas de oficinas. No entanto, encontrou uma sequência de espaços confinados por sua arquitetura e infraestrutura, onde não se enxerga a linha do horizonte, mas sim os gritos constantes dos vendedores, a música dos carrinhos de mp3, a multiplicação de rostos, cheiros e automóveis. A desorganização arbitrária de uma cidade que se reconstrói sobre si mesma até três vezes por século fez da profundidade de campo do olhar fotográfico algo demasiado curto, difícil.
Fosse Caetano, acostumado com o calor e a intimidade das rodas de samba, talvez mergulhasse com sua câmera neste mar de gente. Sendo Marco, preferiu devolver alguma linha do horizonte às lentes de sua câmera. Para isso, precisou perseguir um ponto de vista distinto, descolando-se das esquinas para vê-las como forma construída, volumetria quase futurista (daquele futurismo de Sant’elia).
Empurrado para o alto das construções que aspirava registrar, vislumbrou uma perspectiva que finalmente possibilitava enquadrar a expansão dinâmica e não planejada desse sistema complexo que se chama São Paulo. As imagens resultantes dessa escalada, em seu alinhamento de retas e diagonais, em sua harmonia cromática e atmosférica, contrastam com o imaginário despertado pela canção no princípio desse processo. No lugar da cacofonia colorida e pulsante, uma sinfonia um tanto solene. Fotos sem ruído de espaços que parecem removidos do fluxo do tempo, suspensos e congelados, como retratos possíveis do futuro pós-apocalíptico que pode vir a ser ou do passado clássico que não tivemos, mas que o artista conhece e nos empresta das ruínas da antiguidade em seu país. Sequências de prédios colados formam paredões inteiros de janelas e rachaduras, eventualmente ladeados por árvores, carros ou um fragmento de horizonte. Aqui e ali estão graffitis coloridos, pedaços de asfalto, pequenas manchas de cor por entre os ângulos marcados dos elementos construtivos. Pessoas e carros tornam-se insignificantes ante massivas e amontoadas edificações feitas em épocas diferentes, segundo uma gama ainda maior de modelos estilísticos.
Ainda que sejam lugares radicalmente assimétricos, as ruínas nos campos enevoados do interior da Itália e os quarteirões paulistanos talvez possuam alguma equivalência 300-115 de afinação, pelo menos no modo como foram sintonizados pelos atos fotográficos de Marco Maria Zanin.

Julia Lima e Paulo Miyada